04 dez Estatuto do torcedor pode ser entrave a calendário do Bom Senso
Apenas quatro torcedores assistiram à vitória do Corinthians sobre o Millonarios, quarta-feira, pela Taça Libertadores. Após punição da Conmebol, que determinou que a partida acontecesse com os portões fechados, eles conseguiram uma liminar e puderam assistir ao duelo no Pacaembu. O advogado Milton Guilherme Mendonça era um deles. Ele não comprou ingresso para a próxima partida, mas incentiva os corintianos que adquiriram entradas a usar a esfera judicial para assistir ao confronto contra o Tijuana, em 13 de março, o próximo jogo do Timão em casa
A reta final do Campeonato Brasileiro tem sido marcada pelos protestos do Bom Senso F.C. por mudanças no calendário do futebol brasileiro. Em novembro, o UOL Esporte divulgou as propostas do movimento, que passam por uma drástica mudança nos campeonatos estaduais. Por causa da Copa do Mundo no próximo ano, o levante de jogadores exige mudanças para 2015, mas conseguiu pequenas vitórias já para 2014: o adiamento do começo dos estaduais, e algumas mudanças em suas fórmulas. As alterações, entretanto, podem acabar se tornando obstáculos ao desejo do movimento.
O Estatuto do Torcedor diz que mudanças nos regulamentos das competições, após divulgados definitivamente, só podem ser alterados em duas hipóteses. A primeira, é com a apresentação de um novo calendário aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte; a segunda, após dois anos de vigência do calendário anterior:
CAPÍTULO III
§ 5o É vedado proceder alterações no regulamento da competição desde sua divulgação definitiva, salvo nas hipóteses de:
I – apresentação de novo calendário anual de eventos oficiais para o ano subseqüente, desde que aprovado pelo Conselho Nacional do Esporte – CNE;
II – após dois anos de vigência do mesmo regulamento, observado o procedimento de que trata este artigo.
O texto da lei dá margem para a interpretação de que as mudanças nos estaduais para 2014, já aprovadas pelo CNE, teriam de durar dois anos. Isso inviabilizaria as mudanças pretendidas pelo Bom Senso F.C., que só poderiam ser implementadas em 2016. Diante deste cenário, o UOL Esporte buscou a opinião de especialistas sobre a questão.
O advogado Jean Eduardo Nicolau, especialista em direito esportivo, faz ressalvas quanto à redação do artigo, mas interpreta que o novo calendário deve, de fato, ser utilizado por dois anos antes de uma nova mudança:
“O artigo não segue a melhor técnica jurídica, mas uma interpretação sistemática leva a crer que sim, para que haja mudança são necessárias as duas condições. O inciso II utiliza o termo observado o procedimento de que trata este artigo, englobando a aprovação do CNE como condição. Se o inciso I fosse suficiente, não haveria sentido na existência do segundo”, afirma.
O segundo especialista ouvido pela reportagem, Eduardo Carlezzo, também advogado em direito esportivo e presidente da Associação Sul-americana de Advogados do Futebol (ASAF), tem uma análise diferente.
“Eu penso bem diferente do que defendem todas as federações. Se as federações quiserem, é possível mudar o formato de disputa do estadual para aplicação em 2015 (poderia até ser possível, analisando caso a caso, mudar já para 2014) e, ao meu ver, não precisa esperar para 2016. O parágrafo quinto abaixo fala em mudanças desde sua divulgação definitiva. Então se ainda não foi divulgado definitivamente o regulamento da competição para 2015, não precisa do CNE e nem de dois anos de vigência para mudar” diz Carlezzo, que também explica que o regulamento definitivo das competições é divulgado 45 dias antes de seu início.
Carlos Ambiel, sócio do AMVO Advogados, que tem como um de seus clientes o São Paulo, e professor de direito esportivo, acredita que o Estatuto do Torcedor não apresenta uma proibição expressa, mas pode sim ser um obstáculo para o Bom Senso F.C.
“As duas condições (aprovação do CNE e dois anos de vigência do calendário) não me parecem cumulativas. Caso contrário, não haveria necessidade de ter uma exceção. Nesse caso, seriam dois anos de vigência, ou uma condição de aprovação do CNE”, avaliou Ambiel. “Não vejo como um obstáculo definitivo a uma mudança para 2015, mas pode sim, dependendo da interpretação, ser um empecilho”, completou.
O UOL Esporte também conversou com representantes jurídicos de clubes da Série A, que afirmaram que o dispositivo dos dois anos foi criado para evitar as chamadas “viradas de mesa”, impedindo que equipes escapem de rebaixamento através de mudanças no regulamento. Não sendo este o caso, em tese, poderiam ocorrer alterações antes do prazo exigido, com uma ressalva: mesmo que seja adotada a posição de que é permitido fazer mudanças antes de dois anos, elas precisam partir das entidades organizadoras dos campeonatos, as federações. Até o momento, elas são contrárias ao fim dos estaduais.
Ao anunciar a aprovação do calendário nacional de futebol para 2014 pelo CNE, o próprio portal do Governo Federal e dos ministérios afirmou que o novo modelo será válido por dois anos, abrindo caminho para a ideia de que nova mudança só ocorrerá em 2016. O assunto deverá vir à tona em 2014, quando, passada a Copa do Mundo, o Bom Senso F.C. intensificará suas reivindicações para o ano seguinte.
Fonte: Uol